sexta-feira, março 03, 2006

O Valor do Amanhã




Rodrigo Constantino

Em seu livro O Valor do Amanhã, Eduardo Giannetti discorre sobre o tema das escolhas intertemporais de forma bastante objetiva e didática. O autor deixa claro que o fenômeno dos juros é inerente a toda e qualquer forma de troca em diferentes períodos no tempo, representando o prêmio da espera para o lado credor, ou o preço da impaciência na ponta devedora. Ou seja, os ganhos decorrentes da transferência de valores do presente para o futuro, ou os custos de antecipar valores do futuro para o presente. Nesse cenário, os juros monetários são apenas uma pequena fatia do conceito geral de juros.

O economista trata também da questão da miopia temporal, quando o indivíduo dá demasiada importância ao que está mais próximo no tempo, e seu espelho, a hipermetropia temporal, quando é atribuído um valor excessivo ao amanhã, em prejuízo das demandas correntes. De um lado, o sujeito que vive literalmente o carpe diem, de forma hedonista ou mesmo irresponsável, e do outro lado, o que adia tanto seu viver que o hoje vira um enorme vazio. Se o míope com freqüência é vítima do remorso, porque o futuro chega e cobra seu preço pelo passado despreocupado, o hipermétrope normalmente sofre com o arrependimento pelo desperdício de oportunidades perdidas com o excesso de zelo pelo amanhã. Como disse Schopenhauer, “muitos vivem em demasia no presente: são os levianos; outros vivem em demasia no futuro: são os medrosos e os preocupados”. É raro alguém manter com exatidão a justa medida.

Giannetti inicia sua explanação sobre os juros pelo fator biológico, lembrando que a senescência é o valor pago pelo rigor da juventude. “A plenitude do corpo jovem se constrói às custas da tibieza do corpo velho”, como coloca o próprio autor. Há um claro trade-off implícito em cada escolha intertemporal que fazemos, entre “viver agora e pagar depois”, ou “plantar agora e colher depois”. Não podemos ter e comer o bolo ao mesmo tempo.

Animais e crianças costumam viver mais intensamente o momento, reagindo basicamente por instinto. Os desejos exigem pronto atendimento, e a busca de rápida satisfação fala mais alto que tudo. Ainda não aprenderam o valor da espera, e não possuem ferramentas racionais para avaliar se esta compensa ou não. A impaciência infantil é fruto da combinação da dificuldade de figurar mentalmente o amanhã e uma baixa capacidade de autocontrole, de resistir ao apelo de impulsos. Como resultante, há uma forte propensão a desfrutar o momento e descontar o amanhã. Infelizmente, são muitos os adultos que não conseguem também dominar tal impulsividade através da razão.

Retardar o consumo atual para poder investir na produtividade rende frutos no futuro. Os recursos não caem do céu, e faz-se mister uma escolha intertemporal entre menos agora, mais depois. Hoje mais que nunca, a preocupação com o amanhã deve ser enorme. Os nômades caçadores viviam o aqui-e-agora, ignorando a necessidade da previdência. Entretanto, quem nasce atualmente vive aproximadamente o dobro do que era comum antes da Revolução Industrial. O progresso da técnica tem aumentado de forma bastante acelerada a expectativa média de vida. O mundo necessita mais da racionalidade da formiga que da impulsividade da cigarra. A poupança de hoje é que permite o consumo maior de amanhã. Tal obviedade parece ignorada quando observamos a situação caótica dos sistemas de previdência social modernos. Talvez as pessoas não saibam que o governo não cria riqueza, e portanto não pode garantir a renda da aposentadoria futura sem a contrapartida da poupança atual. O conforto de amanhã exige um sacrifício hoje.

Um dos problemas do curto horizonte temporal no Brasil, com baixa taxa de poupança, é o coletivismo. Trata-se de um ambiente social em que o futuro pessoal de cada indivíduo pouco depende dele mesmo, ou seja, depende apenas em pequena medida das escolhas que ele faz. É o moral hazard do nosso modelo previdenciário, sem contas individuais e independente da contribuição de cada um para a determinação do benefício futuro. Além disso, nosso grau de impaciência como nação é absurdamente elevado, devido às necessidades urgentes impostas pela miséria. Por fim, as oportunidades de investimento, prejudicadas pelo péssimo ambiente institucional, oferecem baixo valor para o uso de recursos que deixam de ser consumidos no presente, podendo assim ser deslocados para render frutos à frente. A confiabilidade da ordem jurídica aumenta a confiança no amanhã.

O somatório dessas características faz com que a sociedade brasileira tome emprestado do futuro, de forma irresponsável até. Desta forma, a dívida pública através do Estado beira um trilhão e meio de reais, e a taxa de poupança é absurdamente baixa, menor que 20% do PIB. O Brasil vive demasiadamente no presente, com seu governo inchado e assistencialista, sem a necessária poupança que se reverte em investimentos produtivos. Como uma criança, age por impulso, para atender os desejos do momento. Quer o bônus da prosperidade sem o ônus da poupança. Quer o crescimento sem o custo da espera, e quando o resultado não é inflação ou crise na balança de pagamentos, é juros altos.

O valor do amanhã continua baixo por aqui, como nos tempos indígenas. E quem tudo quer, nada tem. No afã de querer tanto o consumo maior no presente quanto o conforto da farta poupança no futuro, o país corre o risco de terminar sem nada: a cigarra triste e a formiga pobre.

4 comentários:

Lucas Mendes disse...

Legal Rodrigo! Soa como a velha tese da teoria austríaca dos juros. Contudo, parece que o Giannetti não deu o devido crédito.
Abraço!

Anônimo disse...

Uma ótima abordagem de um tema antigo que merece sempre ser revisitado: evitar os extremos e buscar o caminho do meio, o equilíbrio que deve pautar nossas vidas e propiciar harmonia.

Anônimo disse...

cara vc escreve muito bem... parabens

Anônimo disse...

A crítica é válida. Mas devemos levar em consideração aspectos da sociedade brasileira como: Falta de educação financeira, fomento a poupança e rendimentos que permitam superávite.
Mário Cezar Silveira