quinta-feira, novembro 30, 2006

A Caneta de Verissimo



Rodrigo Constantino

Quando penso que o colunista Verissimo vai desistir do seu proselitismo e voltar para os bons artigos sobre o cotidiano, o gaúcho aparece com mais um espetáculo de ideologia barata. No seu último artigo, Parker 51, Verissimo conta uma rápida história de como tinha um símbolo todo especial a caneta que ele pegava emprestado com o pai para fazer sua prova final. Reconhece que não era pela sua maior eficiência que a pedia, mas pelo simbolismo que tinha. A história, que parece meio sem sentido no começo, mostra no final a intenção do autor, ao afirmar que é “esse significado maior, que não é mensurável, que não se julga nem tecnicamente nem pelo resultado da prova, que nunca entra na equação dos privatistas”. Verissimo está condenando aqueles que defendem a privatização da Petrobrás pelo argumento da eficiência, que ele parece ao menos reconhecer ser maior na gestão privada. Assim como a caneta Parker que seu pai lhe emprestava, ele acredita que a empresa tem um valor simbólico, e por isso deve permanecer uma estatal, ainda que seja menos eficiente assim. Os “ultraliberais” seriam insensíveis para este sentimento tão nobre e superior.

Há uma “pequena” diferença, que o ilustre colunista parece não perceber. No caso da canetinha, sua propriedade era bem definida. Ela era do pai de Verissimo, que tinha o direito de emprestá-la para quem quisesse, pelo motivo que fosse. Mas a Petrobrás não. A Petrobrás utiliza recursos públicos, é propriedade estatal, e por isso pertence, ao menos na teoria, a cada pagador de imposto. Ela não é do Verissimo apenas. E portanto ele não tem o direito de torrar o dinheiro alheio, via maior ineficiência, em troca da busca desse lindo sentimento de simbolismo. Verissimo, que é bem rico, poderia juntar várias outras nobres almas – e com o bolso cheio também – para comprar a Petrobrás do governo, e aí esses sensíveis homens poderiam fazer o que quisessem com a empresa, inclusive levá-la à bancarrota em nome do símbolo que ela representa. Os insensíveis, que precisam pensar na eficiência, seriam poupados assim.

Talvez a explicação para Verissimo não ter notado tão gritante distinção entre os casos de sua analogia esteja no seu próprio artigo, quando assume que sempre foi “um péssimo aluno, da tribo dos que passavam raspando”. Talvez, se tivesse estudado um pouco mais...

quarta-feira, novembro 29, 2006

Invidia



Rodrigo Constantino

“Envy is a drive which lies at the core of man’s life as a social being, and which occurs as soon as two individuals become capable of mutual comparison.” (Helmut Schoeck)

A inveja é um sentimento com profundas conseqüências para o progresso da humanidade, e caso não seja devidamente domesticada, pode limitar bastante nossos avanços. O filósofo austríaco Helmut Schoeck escreveu um brilhante livro sobre o tema, chamado Envy: A Theory of Social Behaviour. Seu trabalho deveria ser lido por todos, principalmente por aqueles que defendem uma utopia na qual seria possível construir uma sociedade igualitária, desprovida da inveja. O autor deixa claro, com sólidos argumentos e vasta experiência empírica, que não só é impossível a construção de tal sociedade, como o motivador de seus defensores é muitas vezes a própria inveja.

Em primeiro lugar, é interessante traçar as diferenças entre a inveja e o ciúmes. No caso deste, uma terceira pessoa está envolvida, e o ciumento pretende preservar algo que considera sua propriedade. Ele quer preservar seu ativo de terceiros. Já no caso da inveja, há um impulso destrutivo, onde o outro não ter algo é mais importante que tudo. A eliminação do próprio ativo passa a ser o objetivo. A inveja se mistura muito com o ressentimento, fruto de um sentimento de inferioridade, onde a desgraça alheia é mais importante que a satisfação pessoal do invejoso. Se um vizinho quebrar a perna, o invejoso irá regozijar-se, ainda que isso não faça ele andar melhor. Se um rico for à bancarrota, o invejoso irá comemorar, ainda que isso não o faça mais rico. O homem intensamente invejoso pode inclusive ser possuído pelo desejo de autodestruição, incapaz de tolerar que outros saibam aproveitar a vida e demonstrar felicidade.

Helmut conclui pontos interessantes sobre a inveja, como o fato de mínimas diferenças serem suficientes para despertar muita inveja no homem invejoso, ou que normalmente a inveja está mais atrelada à proximidade das pessoas. Em outras palavras, um não precisa ser um miserável para invejar um rei, sendo mais provável a inveja surgir entre empregados de um mesmo nível onde um deles recebeu um aumento relativo ou um elogio do chefe. Isso derruba o sonho dos igualitários em criar uma sociedade onde todos fossem materialmente iguais, como se isso pudesse eliminar a inveja do mundo. Pelo contrário, em tais sociedades – caso pudessem existir – a inveja seria de um nível bastante elevado, onde um simples agrado de alguém, o olhar de uma mulher, uma mísera demonstração de superioridade intelectual, faria despertar uma inveja incontrolável no invejoso.

No livro, o autor vai buscar os indícios de inveja – e os mecanismos desenvolvidos para evitá-la – nas sociedades mais primitivas que se tem conhecimento. A crença na magia negra, por exemplo, teria pouca diferença da fé socialista de que o pobre é pobre por ser explorado pelo patrão, ou a crença das nações subdesenvolvidas de que assim estão por culpa das nações mais ricas. O uso de algum bode expiatório, seja a magia negra, o desejo dos deuses ou o capitalismo explorador, serve para consolar aqueles invejosos que não suportam o sucesso alheio explicado por mérito ou alguma superioridade qualquer em relação a si próprio. Se o vizinho teve uma colheita melhor, não pode ser pela sua maior eficiência e produtividade, pois isso seria um atestado de superioridade que o invejoso não está disposto a dar. Diferente daquele que observa e admira o sucesso alheio, o invejoso vai buscar refúgio nas “explicações” fantasiosas, como o uso da magia pelo vizinho, a sorte, o destino traçado pelos deuses etc.

Se todos possuem, em diferentes graus, o sentimento de inveja, a busca de proteção contra o invejoso, o “mau olhado”, sempre esteve presente nas diferentes culturas também. Quanto mais uma sociedade conseguiu controlar os invejosos e dar mais espaço e liberdade para os inovadores, mais progresso atingiu. A alocação de escassos recursos não é eficiente quando o medo da inveja alheia é grande demais. Se o fruto do sucesso será tomado por medidas claramente invejosas como o imposto progressivo, deixam de existir os incentivos adequados para que o empreendedor se arrisque. Se as desigualdades não são toleradas, se alguém souber a priori que seu sucesso será motivo de forte inveja por parte de seus vizinhos, as realizações pessoais serão ínfimas, e por conseguinte a da sociedade em questão também.

Por isso que as comunas israelenses, os kibbutzin, jamais seriam capazes de evoluir da subsistência agrária, e o pouco avanço existente vem emprestado de fora, dos países industriais capitalistas. O socialismo, a pura idealização da inveja, onde todos devem ser iguais como os insetos gregários são, seria a vitória da mediocridade sobre o talento, sobre as conquistas individuais. Numa sociedade igualitária, a inveja derrota o sucesso, as realizações pessoais. Eis o ideal dos invejosos, que trabalham para incutir um forte sentimento de culpa naqueles que, de alguma maneira, destacaram-se na sociedade. Temendo a inveja alheia, muitos desses sucumbem também ao sonho – ou pesadelo – igualitário.

Com isso em mente, deixo a conclusão nas palavras do próprio filósofo: “O desejo utópico por uma sociedade igualitária não pode ter surgido por qualquer outro motivo que não a incapacidade de lidar com a própria inveja”.

O Encontro Marcado



Rodrigo Constantino

“Os defensores do status quo em matéria previdenciária tiveram a oportunidade de escolher entre o sacrifício e o progresso fácil; escolheram o progresso fácil; terão o sacrifício.” (Fábio Giambiagi)

Será que um pai que ama de verdade seu filho faria vista grossa para um problema seu com drogas, na esperança de que aquilo que os olhos não vêem o coração não sente? Parece evidente que enfrentar a realidade, por mais dura que ela possa ser, é uma medida mais racional e adequada para quem realmente gosta. Infelizmente, quando o assunto é a Previdência Social, tema de profunda relevância para o futuro dos nossos filhos, muitos preferem agir como se o problema sequer existisse. Não é nada racional.

O título do artigo deriva do excelente livro do economista Fábio Giambiagi, que trabalha com enorme cuidado o delicado tema da necessidade de reformas mais estruturais na Previdência. O ideal seria o modelo de capitalização individual, onde cada indivíduo recebe de acordo com sua própria poupança. É o modelo mais justo, mas politicamente complicado de ser aprovado. O Chile é um claro exemplo que vem à mente, cujo sucesso é estudado no mundo todo. Mas em política, o ótimo é muitas vezes inimigo do bom. Com isso em mente, Giambiagi parte para um pragmatismo maior, fazendo concessões e lembrando do ensinamento de Amyr Klink, de que “no mar, o menor caminho entre dois pontos não é necessariamente o mais curto, mas aquele que conta com o máximo de condições favoráveis”.

Giambiagi enriquece o debate sobre a Previdência com fartos dados – muitos assustadores – e uma lógica inquestionável. Derruba inúmeros mitos sobre o problema, repetidos de forma automática sem a devida reflexão ou conhecimento. Alguns dados deixam claro que, se nada sério for feito, a tendência é explosiva e insustentável. O INSS gastava com aposentadoria e pensões 2,5% do PIB em 1988, quando foi sancionada a nova Constituição, e 18 anos depois gasta quase 8% do PIB. A velocidade do crescimento da população de idosos no Brasil deve acelerar bastante nos próximos anos, agravando muito o problema. Nos próximos 25 anos, a população idosa crescerá aproximadamente 4% ao ano. A demografia nacional não mais ajudará a ocultar a irresponsabilidade do modelo previdenciário. A Previdência é uma bomba-relógio, um acidente esperando para acontecer.

Muitos falam das fraudes ou dos “marajás” como causas principais do rombo, mas tais teses não se sustentam com os dados. Desvios milionários podem parecer somas astronômicas do ponto de vista individual, mas pouco significam frente ao gasto de cerca de R$ 165 bilhões previsto para 2006. As raízes do problema são estruturais, encontram-se no modelo previdenciário em si, na distribuição de direitos sem a devida contrapartida, na idade média baixa das aposentadorias no Brasil etc. Alguns, temendo um confronto com a realidade, repetem que o déficit da Previdência nem mesmo existe, apelando para malabarismos contábeis, como se alterando o nome da despesa ela deixasse de existir. O rombo existe, é crescente, e se nada for feito para alterar tal curso, as futuras gerações pagarão um elevado preço. Os aposentados de hoje estão hipotecando o futuro de seus filhos e netos.

A expectativa de vida média no Brasil pode ser mais baixa que a de países desenvolvidos, mas isso deve-se, em boa parte, à elevada taxa de mortalidade infantil e de jovens. Entretanto, se a pessoa chega viva aos 60 anos, sua expectativa de vida passa da média de 72 anos ao nascimento para 81 anos. Ou seja, se um “garotão” de meia idade se aposenta com 50 anos, provavelmente ainda viverá uns 30 anos, sustentado por uma população ativa cada vez mais penalizada pelos pesados impostos necessários para fechar a conta. Na média, as pessoas no Brasil que se aposentam por tempo de contribuição vivem apenas em torno de um a dois anos menos do que na Suécia, mas se aposentam oito anos antes.

As aposentadorias atreladas ao salário mínimo geram um rombo ainda mais crescente, posto que este teve um aumento real significativo desde o Plano Real. Some-se a isso o fato de cada vez mais mulheres estarem se aposentando, e a participação de idosos estar aumentando no total da população, e fica claro que a situação não é sustentável. O Brasil, quando comparado a outros países do mundo, encontra-se claramente num caso sui generis, com população ainda muito jovem mas com gasto previdenciário relativamente elevado, a pior combinação possível. Como conclui Giambiagi, “um quadro em que seis de cada dez pessoas se aposentam com menos de 55 anos, em um país com todas as carências que o Brasil tem, é algo que faz qualquer estrangeiro arregalar os olhos de incredulidade”.

O debate sobre a Previdência mexe com muitas emoções, e por isso acaba gerando mais calor que luz. Entretanto, as leis inexoráveis da economia não aceitam mágica tampouco toleram irresponsabilidade. Abdicar da razão e deixar a retórica dominar o debate é o caminho da desgraça. Sabemos que politicamente é muito complicado defender as reformas necessárias, pois os custos são imediatos enquanto os benefícios ficam dispersos no tempo. Um famoso economista costumava dizer que no longo prazo estaremos todos mortos. Sem dúvida, já que todos, algum dia, morrerão. Mas a trajetória para este encontro certo pode ser melhor ou não, e isso fará toda a diferença do mundo, tanto para os que viverão até lá, como para seus descendentes. Deixar de fazer os sacrifícios necessários no presente porque morreremos no futuro é irresponsabilidade total. Aí é que a morte chega mais rápido mesmo, e com sofrimento. De nada irá adiantar negarmos os fatos. Eles continuarão existindo. Temos um encontro marcado com a reforma da Previdência, queiramos ou não. Quanto antes, melhor. Os esforços e sacrifícios serão infinitamente maiores depois.

sábado, novembro 25, 2006

A Janela Quebrada



Rodrigo Constantino

“Em termos per capita, a Suíça possui mais armas de fogo que qualquer país, e no entanto é um dos lugares mais seguros do mundo; em outras palavras, armas não causam o crime.” (Steven Levitt)

A sensação de insegurança é total no país, especialmente na “cidade maravilhosa” onde moro. Uma nova onda de crimes vem intensificando o medo do cidadão, que como um sapo escaldado, vai se acostumando à nova temperatura do ambiente até esturricar. Enquanto isso, vários “humanitários” gastam saliva e muito dinheiro público para focar nas causas erradas, sempre apelando para um romantismo que não coaduna com a realidade. O país precisa de soluções verdadeiras, não de discursos bonitos com expressões mágicas como “inclusão social”.

Vejamos o caso da “ONG” mais famosa da cidade, o Viva Rio. Fundado em 1993, no auge dos tempos de seqüestro e da chacina da Candelária, vive defendendo medidas, na melhor das hipóteses, inócuas, como o desarmamento de civis. O termo ONG está entre aspas pois quer dizer Organização Não-Governamental, enquanto o Viva Rio recebe dos seus mais de R$ 20 milhões por ano algo como 65% dos cofres públicos. Trata-se de um braço estatal, não de uma ONG. Seu diretor-executivo, o antropólogo Rubem César Fernandes, foi agraciado pela segunda vez consecutiva com o Prêmio Personalidade e Cidadania. Entretanto, vemos que o foco do Viva Rio parece estar todo voltado para a defesa dos bandidos, não das vítimas. Sempre que um criminoso é morto pela polícia, vemos a revolta do movimento liderado pelo antropólogo. Mas raramente vemos a mesma dedicação com as vítimas indefesas, principalmente quando é alguém rico, como a ex-mulher de Germano Gerdau, que foi assassinada na frente da filha no Leblon esta semana. Fosse o assassino em si que tivesse levado bala numa reação de alguém, provavelmente os defensores dos “direitos humanos” apareceriam num piscar de olhos!

Que a miséria pode servir como um estímulo extra à criminalidade, tudo bem. Mas não é sua causa primeira, e basta verificarmos que a maioria dos pobres é formada por gente honesta. A turma dos “direitos humanos” que trata a pobreza como fator principal do crime está chamando de potenciais assassinos todos os pobres, o que é uma afronta! Fora isso, esquecem dos criminosos ricos, dos políticos ladrões, dos caudilhos abastados. Não medimos pela conta bancária um potencial assassino. Culpar as armas então é pior ainda! Armas não matam, e sim homens que utilizam-nas. O grosso das armas usadas para crimes no Brasil já vem da clandestinidade. A Suíça, como lembra o autor de Freakonomics da Escola de Chicago, é um país bastante armado e pacífico ao mesmo tempo. Nada disso impediu o Viva Rio e seus similares, em conjunto com o governo, de gastar rios de dinheiro na propaganda pelo desarmamento de civis inocentes. Não peçam para explicarem depois a piora dos índices de violência, pois baterão na mesma tecla de “justiça social”.

O que é preciso fazer então? Os criminologistas James Wilson e George Kelling desenvolveram a teoria da “janela quebrada”, que afirma que se alguém quebra uma janela e verifica que ela não é reparada, obtém o sinal de que está autorizado a quebrar as demais janelas ou quem sabe atear fogo no prédio todo. Em resumo, pessoas reagem a incentivos, e a punição, inclusive para pequenos delitos, é fundamental para o estabelecimento da ordem. O crime é um ato de responsabilidade individual, não da sociedade. Quando antropólogos e sociólogos invertem a coisa, culpando a vítima pelo crime que acaba de sofrer e transformando em pobre vítima o criminoso, deturpam completamente o julgamento dos fatos. Alguns chegam ao absurdo de condenar a vítima porque andava num carro bom, como se isso justificasse um invejoso matá-la. Não é a desigualdade material que causa o crime, ainda que esta seja um problema, normalmente agravado pelo aumento do Estado, fato evidente pela concentração de renda em Brasília. A impunidade é o maior convite ao crime. E ao lado do Estatuto da Criança e do Adolescente, que transforma marmanjos assassinos em figuras inimputáveis, a visão de que a “sociedade” é a grande responsável pelo ato criminoso de um delinqüente é a maior causadora da escalada do crime.

As janelas foram quebradas faz tempo, e nada de reparo. Pelo contrário: vários culparam a porcaria da janela que estava ali atrapalhando o pobre coitado que atirou a pedra. Depois atearam fogo no prédio. Novamente, a culpa foi do próprio prédio que estava ali, assim como do oxigênio que fez o fogo se alastrar. O marginal que iniciou o incêndio era apenas uma “vítima da sociedade”. Resolveram ainda proibir a venda de fósforos para todos os civis inocentes. Nada adiantou. A barbárie tomou conta da cidade, do país. Não existe punição severa, apenas para aqueles que nunca fizeram mal a ninguém e sempre pagaram seus pesados impostos em dia. Mas quem liga para esses?

sexta-feira, novembro 24, 2006

O Inferno de Verissimo



Rodrigo Constantino

Que o Verissimo, eterno defensor do fracasso, só escreve besteira quando tenta falar de política e economia, todos já sabem – ou deveriam saber. Sei de muitos que simplesmente ignoram a coluna do escritor, que deveria focar nas comédias do cotidiano. Mas eu não. Talvez por masoquismo, não sei ao certo, dou-me ao trabalho de ler as porcarias que ele escreve. Preciso sempre de um Engov, é verdade. Mas na sua última coluna, Céu ou Inferno, onde o gaúcho faz um julgamento sobre o possível destino da “alma” de Milton Friedman, não teve remédio que segurou o forte enjôo. Fosse apenas muita ignorância, vai lá! Mas Verissimo não é do tipo ignorante. Logo, fica restando apenas uma alternativa: a perfídia. A ideologia faz canalhas, quando sua defesa passa a ser mais importante que a verdade dos fatos.

Verissimo questiona no artigo se a contribuição do Nobel de economia da Escola de Chicago fez um mundo melhor ou pior, reconhecendo que impacto teve. Ele começa a destilar seu veneno quando chama o comunismo soviético de “capitalismo de estado”, comparado ao “capitalismo de consumo” que teria vencido a Guerra Fria. Ora, vamos chamar boi de boi, não de jacaré. Os que repetem que o comunismo nunca existiu ignoram que ele jamais existirá, pois não passa de uma utopia idiota, impossível na prática – ainda bem, já que homens não são formigas. Mas é a tentativa de chegar lá, os meios usados para tal fim, que levam inexoravelmente ao terror, escravidão, miséria e genocídio. Por isso, inclusive, que socialistas detestam debater meios, tentando monopolizar os nobres fins. Tentar associar o comunismo soviético a algo perto de capitalismo é, portanto, falta de caráter ou de inteligência.

O artigo segue afirmando que Thatcher, com a frase “não há alternativa”, inaugurou “a fé fundamentalista da qual Friedman é o Deus, e a Universidade de Chicago é o templo maior, que ainda domina o pensamento econômico do mundo”. Será que Verissimo não sabe que o Liberalismo não guarda similaridade alguma com uma religião fundamentalista, pois está calcado na lógica econômica, no conhecimento da natureza humana, na vasta experiência empírica? Crentes fanáticos são justamente os socialistas, que fogem de um debate focado apenas em argumentos lógicos, apelando constantemente para a retórica, inúmeras falácias conhecidas, sensacionalismo barato e emoções instintivas. Mas isso não impede que Verissimo minta na maior cara-de-pau, afirmando que a crença nos dogmas liberais independe de verificação e sobrevive a todos os desmentidos. Qual verificação? Quais desmentidos? Os países mais prósperos do mundo são os que mais se aproximaram do ideal liberal, enquanto os mais miseráveis são justamente os socialistas. Isso sem falar da questão da liberdade individual, inexistente nos países socialistas.

Mas eis onde Verissimo “pensa” ter achado a prova para refutar o Liberalismo: “A América Latina, submetida há anos à ortodoxia monetarista do Consenso de Washington sem proveito, é um desmentido continental da infalibilidade de Friedman”. Nada como o uso do chavão mais patético de todos, a culpa no bode expiatório predileto da esquerda, o tal Consenso de Washington. Suas recomendações são bem óbvias, respaldadas pelo bom senso de qualquer um que saiba que gastar mais do que tem gera problemas. Mas socialistas querem desafiar até a lei da gravidade! Será que Verissimo arriscaria se jogar do alto de um prédio confiando na heterodoxa “lei” que faria ele subir, em vez de cair? Acho que não. Mas quando o assunto é a vida dos outros, suas economias, Verissimo prefere ignorar a lógica e pregar a magia. Na verdade, as idéias liberais de Friedman nunca foram adotadas pela região, com a exceção do Chile, não por acaso o país com maior estabilidade tanto política como econômica da vizinhança. Mas Verissimo jamais irá entrar nos detalhes do assunto. Isso não é interessante para ele.

Usar a América Latina como ícone do Liberalismo para desqualificá-lo beira a insanidade. O Liberalismo jamais deu o ar de sua graça por essas terras. No Brasil, por exemplo, a carga tributária está em 40% do PIB, o Estado intervém nos mínimos detalhes econômicos, a burocracia é asfixiante, falta império da lei, enfim, não há praticamente nada aqui que se assemelhe ao Liberalismo. Tanto que estamos na rabeira do ranking de liberdade econômica tanto do Heritage como do Fraser Institute. A região passou mais longe do Liberalismo pregado por Friedman que Plutão da Terra! Mas nada disso importa para Verissimo, que diz que “razões para mandar a alma do Friedman para a grelha não faltam”. Para Verissimo, o Estado “desenvolvimentista”, cheio de estatais, é a “única esperança de os países miseráveis saírem da miséria”. Com certeza ele ignora os casos de reformas liberais, na contramão dessa estupidez, adotadas por países como o Chile, Irlanda, Nova Zelândia, Espanha, Islândia, Austrália etc. Ou os próprios casos dos Estados Unidos de Reagan e da Inglaterra de Thatcher, ambos salvos pelas medidas defendidas por Friedman. Em contrapartida, seria o caso de perguntar qual país deu certo com essa receita “desenvolvimentista”. Não haverá resposta. Isso porque Verissimo diz que é o Liberalismo que não suporta a verificação! É muita inversão mesmo...

Por fim, Verissimo conclui que, ao menos, Milton Friedman foi um pensador original, e isso – somente isso e seu prêmio Nobel – faria um contrapeso ao claro viés de mandá-lo para o inferno. Entre o Céu e o Inferno, portanto, Verissimo ficaria, quem sabe, com o Purgatório. Considerando que há um abismo moral intransponível entre ambos, para não falar da inteligência, creio que as pessoas que respeitam a integridade e a lógica não deveriam ficar espantadas. Afinal, vindo de quem vem, tais agressões são elogios. O céu do Verissimo deve ser algo como Zimbábue, ou Cuba. Melhor ir para o que ele considera um inferno mesmo. Poderemos acabar num lugar livre e próspero.

quinta-feira, novembro 23, 2006

Puritanismo Autoritário



Rodrigo Constantino

“Perecer, quer o vosso ser próprio, e por isso vos tornastes desprezadores do corpo!” (Nietzsche)

Muitas vezes, por trás de uma pregação de puritanismo exacerbado, encontra-se um sentimento humano bastante mesquinho, considerado por vários filósofos como um enorme vício. Após alguns malabarismos, entretanto, os pregadores tentam transformar tal vício em aparente virtude. Os verdadeiros motivadores, se expostos à luz da razão, fariam com que os bois recebessem seus verdadeiros nomes. Não são nomes bonitos.

H. L. Mencken escreveu: “Existe somente um impulso honesto no fundo do Puritanismo, e este é o impulso de punir o homem com a capacidade superior para a felicidade – trazê-lo para baixo até o nível de ‘bom’ homem, i.e., do estúpido, covarde e cronicamente infeliz”. São palavras duras e diretas, provenientes do “Nietzche americano”, mas que sem dúvida forçam uma reflexão. Algumas pessoas não sabem ou não conseguem ser felizes de verdade, ou aproveitar determinados prazeres materiais, e um forte sentimento de inveja as domina. A inveja é um sentimento poderoso e destrutivo, onde a felicidade de sua vítima não é o foco, mas sim a infelicidade do vizinho. Se este quebrar a perna, o invejoso irá vibrar, como se pudesse andar melhor agora.

Assim, pessoas que sentem dificuldade de aproveitar a vida usufruindo dos prazeres do corpo, sem que isso seja sinônimo de futilidade, vazio ou niilismo até, partem para a agressão dos costumes dos demais, tratados como vícios terríveis, pecados mortais. Tentam incutir culpa naqueles seres felizes, como se tal felicidade fosse um pecado. Vários sucumbem a tentação de defender o uso de coerção – o Estado – para impedir que os demais possam usufruir livremente desses “vícios”. Desta forma, aquele que não consegue beber apenas socialmente prega a lei seca; aquele que não consegue fumar maconha esporadicamente defende sua criminalização; aquele que não suporta a tentação da prostituta pede que sua profissão seja banida por lei; aquele que não resiste aos jogos de azar, caindo na compulsão, pede intervenção estatal; etc. Isso não quer dizer que todos aqueles que defendem tais coisas são necessariamente invejosos, mas sim que todos os que usam o puritanismo para tal fim são.

Isso para não falar dos “puritanos” apenas nas aparências – os hipócritas – que precisam defender um estilo de vida o qual são incapazes de seguir na prática, mesmo com toda a imposição moral que se impõem. Hugo Mann, o personagem de Cabeça de Negro, romance de Paulo Francis, foi no cerne da questão: “Todo carola precisa pecar feio para se arrepender; quebra a monotonia da carolice; a rotina corrompe qualquer fé”. Os “pecadores” em questão adoram pregar um ideal de vida que entra em confronto com a natureza humana, para depois martirizarem-se com seus desvios de conduta. De fato, com tanta dicotomia criada artificialmente entre corpo e alma, como se para esta ser “salva” aquele tivesse que sofrer, fica praticamente impossível atingir a felicidade. Nosso corpo, afinal, faz parte do que somos, e não é apenas uma carcaça que transporta a alma.

Se para a minha felicidade um determinado estilo de vida parece inadequado, isso não quer dizer que meu vizinho tenha que seguir a mesma receita. Contanto que meus atos não tirem a liberdade do outro, devo ser livre para ser feliz à minha maneira. Os que pedem para o Estado proibir tudo aquilo que eles mesmos não conseguem evitar voluntariamente, ignoram este princípio, e deixam a inveja falar mais alto. O sentimento é algo como ‘já que eu não posso, ninguém mais deve poder’. Talvez ninguém melhor que o próprio Nietzsche tenha detectado as causas desse puritanismo aparente: “Há uma inconsciente inveja no vesgo olhar do vosso desprezo. Não sigo o vosso caminho, ó desprezadores da vida! Não sois, para mim, ponte que leve ao super-homem. Assim falou Zaratustra”. E está falado!

sexta-feira, novembro 17, 2006

O Adeus a Milton Friedman



Rodrigo Constantino

“Não existe almoço grátis.” (Milton Friedman)

Em 1976, ano em que nasci, o economista Milton Friedman – de família pobre vinda da Ucrânia – ganhava seu prêmio Nobel pelas grandes contribuições ao debate econômico. Friedman foi um dos maiores economistas do século XX, e travou uma incansável batalha pela maior liberdade individual. A clareza de suas idéias, assim como a solidez de seus argumentos, raramente encontraram substitutos à altura. Ao lado dos austríacos como Hayek e Mises, e da escritora Ayn Rand, Milton Friedman foi uma das minhas maiores influências. Com a notícia de seu falecimento, o mundo perde um grande economista e defensor da liberdade.

Seus dois livros mais conhecidos são Capitalism and Freedom e Free to Chose, o qual escreveu com sua esposa Rose Friedman. Neles, Friedman expõe com objetividade seus pensamentos, sempre defendendo os mercados privados em vez do planejamento central e controle estatal. Ele estava convencido de que a liberdade econômica era uma condição necessária para as liberdades civis. Lutou, portanto, contra a visão paternalista do Estado, lembrando que o governo não é o patrão, mas sim o empregado dos cidadãos. Para os indivíduos livres, o país é um somatório de indivíduos, não algo acima deles. A maior ameaça a liberdade seria a concentração de poder. O escopo do governo deve ser limitado, e suas funções básicas devem ser preservar a lei e a ordem, garantir contratos privados e estimular os mercados competitivos. O poder do governo deve ser disperso, sempre evitando sua centralização.

Partindo dessas premissas, Milton Friedman propôs várias idéias concretas, como o fim de subsídios agrícolas, das tarifas de importação, do controle de preços, do salário mínimo, das regulamentações detalhadas das indústrias, do serviço militar compulsório etc. Ele explicou que no livre mercado as trocas são voluntárias, e portanto ambas as partes se beneficiam delas, sendo a cooperação a regra básica. Em contrapartida, a intervenção estatal levaria a uma disputa entre as partes, transformando toda negociação de troca numa briga política, fomentando o conflito. A corroboração empírica dessa teoria lógica é visível diariamente em nosso país.

Sobre um tema onde muita ignorância permite afirmações firmes porém errôneas, Milton Friedman deu uma grande contribuição também. Trata-se da crise de 1929, onde muitos leigos culpam, sem embasamento, o livre mercado. Não vem ao caso entrar nos detalhes da argumentação, mas Friedman deixa claro a sua conclusão: “A depressão não foi produzida por uma falha da empresa privada, mas sim pela falha do governo numa área onde ele tinha sido designado como responsável”. Para melhor compreensão da culpa dos atos governamentais nesse grande crash, sugiro a leitura do excelente livro de Murray Rothbard, America’s Great Depression.

As contribuições de Milton Friedman não ficaram limitadas ao mundo acadêmico. O mais famoso expoente da Escola de Chicago foi também conselheiro dos presidentes Nixon, Ford e Reagan – este considerado por ele o melhor presidente que os Estados Unidos já teve. Fora isso, foi conselheiro de Pinochet no Chile, cujas medidas econômicas – não obstante os claros abusos políticos – salvaram o país do caos herdado da era Allende. Milton Friedman, portanto, exerceu forte influência positiva nos rumos de milhões de vidas.

Infelizmente, muitos preferem respeitar pessoas com maior retórica e apelos emocionais que a razão e o bom senso dos mais humildes, que não fazem tanta questão do crédito de suas ações. Assim, a morte de um grande homem merecerá poucos comentários por parte da mídia, e sequer será notado pela grande platéia. No entanto, quando um ditador assassino como Fidel Castro morrer – e vaso ruim demora a quebrar! – haverá uma comoção nacional, com direito a profundas lamentações do presidente e vários “intelectuais”. Mas não tem problema. Os íntegros não só reconhecem o esforço hercúleo de Milton Friedman na luta contra a tirania de gente como Fidel Castro, como serão eternamente gratos pelas suas idéias. Estas não morreram com seu dono. Pelo contrário: saem mais vivas que nunca, num mundo tão necessitado de mais liberdade!

quinta-feira, novembro 16, 2006

O Prefeito Autoritário



Rodrigo Constantino

O direito à propriedade privada, já bastante combalido nas terras brasileiras, experimentou ao menos uma vitória importante nos últimos dias. A Justiça concedeu liminar aos “apacados” do Leblon, derrotando o decreto do prefeito César Maia que criara as Áreas de Preservação do Ambiente Cultural. As conhecidas Apacs representam um autoritarismo estatal assustador, suprimindo a liberdade dos proprietários sem justificativas razoáveis. Sob o pretexto de preservar os interesses dos moradores e a “ambiência urbana”, um prefeito acaba, via uma canetada, com o direito de vários proprietários. Somente uma mentalidade estatista, contra a liberdade dos indivíduos num ambiente de interações voluntárias, pode considerar aceitável tanta intervenção do governo na vida dos cidadãos.

Em entrevista a Veja Rio, o prefeito deixou claro seu viés autoritário, com sua retórica contra a especulação imobiliária: "Se [as construtoras] não podem mais construir no Leblon, vão investir em outros bairros, buscando alternativas que não sejam as tradicionais Barra da Tijuca e Zona Sul". Será que não passa pela cabeça do prefeito que tal decisão não lhe diz respeito? Não é um político que deve decidir onde as construtoras vão investir, mas sim seus acionistas e administradores, levando em conta a lei do mercado, ou seja, a equação entre a oferta e a demanda. Somente assim os verdadeiros interesses dos consumidores, no caso potenciais proprietários de imóveis, serão atendidos. O livre mercado é infinitamente mais eficiente que a suposta clarividência de um político.

Basta uma rápida caminhada pelos bairros “apacados” para ficar mais claro ainda o absurdo da medida. Os prédios, supostamente “patrimônios culturais”, não passam de velhas construções sem significado cultural algum. Seus proprietários poderiam ter o patrimônio bastante valorizado pelo boom de construção nas regiões, principalmente na zona sul do Rio. Afinal, o ponto vale muito, mas com tais fachadas velhas, o valor despenca. O prefeito parece ciente disso, mas apela para um utilitarismo que, além de tudo, é falso: “Uma Apac pode incomodar 100 pessoas, mas valoriza o patrimônio de 5.000”. Na verdade, ainda que a medida beneficiasse mais gente – e isso não ocorre – não seria justa. Afinal, sacrificar dez inocentes para agradar cem pessoas não é um critério razoável de justiça. Os direitos são individuais, não deveriam depender do gosto da maioria. A propriedade tem dono, e este, respeitando as normas gerais e igualmente válidas para todos, deve ter a liberdade de mudá-la se assim quiser. Se nem mesmo a maioria deve ter o direito de condenar um imóvel particular a manter sua velha fachada, o que dizer de um prefeito sozinho, via decreto?!

O mais lamentável de tudo isso é que tamanho autoritarismo não vem de um prefeito de um partido abertamente defensor da concentração de poder no Estado, como o PT. O prefeito César Maia pertence ao PFL, que supostamente deveria defender idéias liberais. Para a angústia dos poucos liberais brasileiros, o liberal do PFL aparece mais no nome que na prática. Os verdadeiros liberais, aqueles que acreditam na liberdade individual e lutam pelo limite de poder estatal, acabam “órfãos” num país onde há praticamente um monopólio das idéias esquerdistas no jogo político nacional. Enquanto essa cultura perdurar, de que o Estado deve controlar nos mínimos detalhes a vida dos cidadãos, o Brasil verá casos e mais casos de abuso de poder por parte dos políticos, como as Apacs. Há que se mudar a mentalidade do povo. É preciso mostrar que os indivíduos devem ser livres, e que o Estado deve ficar restrito às suas funções básicas, que passam longe do excessivo escopo adotado nesse país, curiosamente tachado pela esquerda de “neoliberal”.

terça-feira, novembro 14, 2006

Bando do Brasil



Rodrigo Constantino

O Banco do Brasil divulgou seu resultado para o terceiro trimestre do ano. Nos últimos 12 meses, o banco acumulou um lucro de R$ 5,5 bilhões. Não dá para negar que de uns anos para cá o banco vem melhorando sua gestão, que era caótica no passado. De tempos em tempos, o governo era obrigado a injetar novo capital no banco, prestes a falir por mais de uma vez. Mas ele ainda está longe de ser um ícone de eficiência. E provavelmente jamais será enquanto for um banco estatal.

O Tesouro Nacional detém mais de 70% das ações votantes do Banco do Brasil. Seus ativos ultrapassam R$ 280 bilhões, 35% acima do Itaú e 15% acima do Bradesco. Em primeiro lugar, uma incoerência clara da esquerda nos vem a mente: condenam os banqueiros pelos males do país ignorando que o maior de todos é o próprio governo! Somente motivos ideológicos ou interesses pérfidos explicam alguém ainda defender o Estado como banqueiro. Basta observar o que isso significou no passado, em termos de rombos bilionários bancados compulsoriamente pelos pagadores de impostos, para repudiar totalmente esta idéia estapafúrdia. Ainda assim, não são poucos que vociferam, sem argumentos, contra uma desejável privatização do Banco do Brasil.

Mas se a fase de gestão caótica e temerária do banco ficou, aparentemente, para trás, ainda não é possível compará-la, por outro lado, com a gestão dos bancos privados. Um rápido levantamento explicita um dos grandes problemas do banco estatal, que é seu inchaço desnecessário no quadro de funcionários. O Banco do Brasil tem um valor de mercado perto dos US$ 20 bilhões. Para tanto, emprega mais de 94 mil pessoas, número que vem crescendo bastante, ainda por cima. O Kookmin, banco coreano de porte similar, emprega menos de 25 mil pessoas. O Itaú, que vale quase o dobro do Banco do Brasil, emprega quase a metade do número de pessoas!

Fiz uma tabela comparando o valor de mercado com a quantidade de empregados do Citigroup, Wachovia, US Bancorp, Wells Fargo, Kookmin, Itaú, Bradesco e Banco do Brasil. Na média, cada funcionário desses bancos gera de valor para seus acionistas algo como US$ 855. Mas cada funcionário do Banco do Brasil cria apenas US$ 220 de valor para seus acionistas, ou 74% a menos que a média. Claro que essa não é a única medida de eficiência. Mas fica evidente que o Banco do Brasil emprega gente demais, tendo um quadro bastante ocioso e desnecessário. Eis uma típica característica de empresa estatal. O Banco do Brasil gastou, nos últimos 12 meses, R$ 7,8 bilhões com despesas de pessoal. Para efeito de comparação, o Itaú gastou R$ 4,6 bilhões, e o Bradesco gastou R$ 5,8 bilhões.

Em termos de retorno sobre o patrimônio líquido, outra medida de eficiência no uso do capital dos acionistas, o Banco do Brasil ficou com uma média de 21,5% nos últimos 5 anos, contra 31,4% do Itaú. E isso ainda foi possível somente pela maior alavancagem do banco, que significa mais risco. Afinal, o retorno sobre os ativos do Banco do Brasil ficou em apenas 1,1% na média desde 2001, contra 2,8% do Itaú ou 1,8% do Bradesco. Podemos analisar os números dos balanços desses bancos de inúmeras maneiras, mas a conclusão será inequivocamente a mesma: o Banco do Brasil não tem, nem de perto, a mesma eficiência que os demais bancos privados. Uma privatização dele iria, com certeza, aumentar a geração de valor para seus acionistas, a lucratividade, e por conseguinte, a arrecadação de impostos para o governo. Contra a privatização, restam apenas apelos nacionalistas vazios, ou a defesa de privilégios às custas dos “contribuintes”.

O dicionário Aurélio tem como uma das definições para bando o seguinte: “conjunto de famílias que vivem juntas, permanentemente associadas, formando comunidade relativamente homogênea”. Com base neste conceito, e levando-se em conta que os funcionários do Banco do Brasil, na média, são privilegiados, por manterem seus empregos independente do valor gerado para os acionistas, creio que parece mais correto falarmos em Bando do Brasil. Seus empregados e familiares, assim como os clientes privilegiados independente da realidade do mercado, formam um grupo bastante homogêneo, lutando para não perder a mamata, paga, como sempre, pelos pagadores de impostos. Não existe almoço grátis! E o almoço – verdadeiro banquete – dos que se aproveitam do gigantismo ineficiente do Banco do Brasil, custa bem caro.

sexta-feira, novembro 10, 2006

O Lucro da Vale

Rodrigo Constantino

Recentemente, por uma jogada de marketing político da campanha de Lula, o tema das privatizações voltou à tona, deixando claro que ainda existe um forte ranço contra o bom senso nesse país. Muitos “nacionalistas” e “estatolatras” – idolatras do Estado – rapidamente foram atacar as privatizações realizadas pelo governo de FHC. Um dos pontos preferidos era bater na tecla de que a Vale tinha sido entregue “gratuitamente” para o setor privado. O único “argumento” para sustentar tal absurdo era comparar o atual valor de mercado com o valor arrecadado no leilão de privatização em 1997, do qual – não custa lembrar – participaram multinacionais do mundo todo.

Desta forma, o lucro divulgado pela Vale vem bem a calhar. A Companhia Vale do Rio Doce divulgou um lucro líquido de quase 4 bilhões de reais no último trimestre, perfazendo R$ 12,7 bilhões no acumulado de 12 meses. E de quanto era exatamente o lucro da empresa que foi avaliada em cerca de R$ 12 bilhões em 1997, uma “pechincha” segundo os detratores da privatização? Girava em torno dos R$ 500 milhões anuais. O valor de mercado da empresa hoje está próximo dos R$ 120 bilhões, ou seja, multiplicou-se por 10 em relação ao valor da época da venda. Mas o lucro, sob a gestão privada, aumentou 25 vezes!

Como fica claro – para os que não sofrem de obnubilação – o valor de mercado da CVRD hoje ultrapassa os R$ 100 bilhões porque o lucro justifica isso. O aumento do preço do minério de ferro e a maior produtividade através da gestão privada explicam porque o valor de mercado da empresa cresceu tanto. Mas quem odeia as privatizações por motivos ideológicos apenas não costuma ligar para os fatos. E que a privatização da Vale foi excelente em todos os aspectos, inclusive no preço da venda, é apenas isso: um fato.

sábado, novembro 04, 2006

A Cidade Perdida



Rodrigo Constantino

Finalmente consegui assistir The Lost City, o filme de Andy Garcia sobre uma família destroçada nos anos da revolução cubana. Um excelente filme, que conta com as participações de Bill Murray e Dustin Hoffman. Uma histórica tocante, comovente e bastante realista, para quem sabe um pouco dos fatos daqueles tempos terríveis. Infelizmente, um filme que por motivos óbvios não foi praticamente divulgado no Brasil.

O filme de Andy Garcia – ele mesmo um cubano que fugiu para os Estados Unidos em 1961 – não mascara a realidade. Ao contrário, desenha um quadro bem negativo da era do ditador Fulgêncio Batista. Cuba estava longe de ser um paraíso nesses dias, mas ainda contava com um grau bem maior tanto de liberdade como prosperidade. Era o destino escolhido por vários turistas americanos. Fico Fellove, o personagem de Garcia no filme, era o dono do mais chique clube noturno de música da cidade, o El Tropico. Ele luta durante o filme todo para manter sua família unida e o amor de uma mulher. Seus irmãos, entretanto, são seduzidos pela utopia da revolução castrista, e o desmoronamento familiar é apenas uma questão de tempo.

Numa das partes mais marcantes do filme, o irmão caçula de Fico Fellove, já devidamente transformado em completo idiota útil e seguidor autômato de Fidel Castro e Ernesto “Che” Guevara, vai até a fazenda de seu tio comunicar-lhe que as terras pertenciam, a partir de então, à “revolução”. Antes disso, o tio fazia um discurso emocionado de como gostava daquelas terras, que tanto tinha cuidado, e que um dia seriam dele, do sobrinho barbudo. Quando soube do verdadeiro motivo de sua visita, que a mando do próprio el comandante deveria tomar-lhe as terras, sofreu um infarte fulminante e faleceu.

Passagem sintomática no filme é quando, já após a tomada de poder pelos comunistas, uma revolucionária vai até o clube de Fellove e ordena que a orquestra toque sem o saxofonista. Incrédulo diante daquilo, Fellove questiona a razão, e escuta que o instrumento representa o “imperialismo”. Espantado, ele explica que tal instrumento foi inventado por um belga em 1840. Mas nada adianta. O trecho retrata o constante uso de pretexto pelos comunistas para absurdo abuso de poder.

Quando Fellove não mais agüenta viver naquelas condições de escravidão, seus próprios pais pedem para que ele deixe a ilha, já transformada em um grande presídio. Seu pai, doente, suplica para que ele vá para um lugar mais livre, onde possa se expressar e dar continuidade a família, destruída pela revolução. Fellove tenta convencer sua amada a partir com ele, mas ela também havia sido conquistada pela utopia assassina. A conversa deles nesse momento retrata o embate entre coletivismo e individualismo, ela sacrificando o real interesse particular por “algo maior”, e ele preferindo focar na felicidade deles mesmos. Para individualistas, o indivíduo é um fim em si mesmo, não um meio sacrificável. Mas a lavagem cerebral coletivista já estava completa nela. Sozinho, sem um tostão, tendo inclusive pertences de valor sentimental confiscados pelos comunistas, ele sai da escravidão para a liberdade, encontrada nos Estados Unidos, onde ele começa do zero, limpando pratos num bar. A pobreza – e isso fica claro no filme – não é o indicador de liberdade, como muitos comunistas querem crer. Para as pessoas íntegras, é infinitamente melhor ser pobre mas livre que rico porém escravo.

Como inúmeras pessoas cultas ainda admiram Fidel Castro é uma pergunta que sempre me deixa perplexo. Mas por mais que eu tente ser obsequioso com meu julgamento, a resposta encontrada é inexoravelmente a mesma: trata-se de um forte desvio de caráter. Está certo que o auto-engano pode crescer a patamares alarmantes, a fim de não macular a ideologia. Um crente comunista não seria diferente de um crente fanático da Igreja Universal, que nega até mesmo a existência do vídeo com bispo Macedo contando o dinheiro. Mas isso não explica a defesa de Cuba feita por pessoas com conhecimento e “educadas”. Não explica o caso de Saramago, Emir Sader, Chico Buarque, Verissimo, Niemeyer e tantos outros “intelectuais” que flertaram com o regime genocida de Fidel Castro. Essas pessoas têm acesso aos fatos, e bastaria um mínimo de honestidade para que repudiassem com força o modelo cubano. Se não o fazem, é por questões morais mesmo.

Não deixem de ver o filme de Andy Garcia. Críticos brasileiros, muitos com queda pela esquerda, mal deram atenção para ele. Não houve ampla divulgação, tampouco comentários de artistas e intelectuais. Criticar Fidel é pecado para essa gente. Mas para todo o restante, para as pessoas com bom-senso e integridade, o filme vale cada segundo investido. Havana não era uma maravilha. Mas nem de perto era o cárcere miserável que se transformou. A cidade perdida representa também milhares de famílias perdidas, de vidas perdidas. E quase cinco décadas depois, ainda tem quem defenda tamanha barbárie!

quinta-feira, novembro 02, 2006

Dia de Finados



Rodrigo Constantino

Há séculos que os cristãos rezam para os mortos. O segundo dia do mês de novembro acabou sendo escolhido como data oficial para a homenagem aos falecidos, tornando-se o Dia de Finados. Eu gostaria de prestar aqui minha homenagem ao mais recente defunto brasileiro: a Moralidade. Seu falecimento gerou profunda tristeza em milhões de brasileiros dignos. Não foi morte acidental, mas sim assassinato deliberado. Em massa! Na verdade, cerca de 58 milhões de brasileiros executaram a Moralidade a queima roupa, no dia 29 de outubro. Um tiro certeiro, proveniente da ponta dos dedos dessa gente toda. As armas usadas foram as urnas.

De tabela, levaram daqui a Lógica também. O tiro ricocheteou e matou-a. Um duplo assassinato! Está certo que a Lógica não tinha o hábito de dar muito o ar de sua graça por essas terras, mas ainda assim não merecia tamanho desprezo por conta desses criminosos todos. Massacraram a Moralidade, e tiraram a vida da Lógica também. Macunaíma venceu. Derrotou tanto a Moralidade como a Lógica. Na luta, o heróico Bom-Senso ainda tentou virar a mesa, mas não teve chance. Era tarde demais. Digladiando-se com o aliado de Macunaíma, Gérson – o da lei – o Bom-Senso perdeu feio. Foi esmagado, trucidado, aniquilado. Está em estado grave, entre a vida e a morte. As pessoas de bem nesse país torcem muito pela recuperação do Bom-Senso, mas nada garante sua vitória. Seu coma, ao que parece, irá durar pelo menos mais quatro anos, e não há certeza de que depois irá se safar dessa com vida.

É Dia de Finados! Devemos homenagear os mortos. E a perda da vida tanto da Moralidade como da Lógica, assim como o estado de morto-vivo do Bom-Senso, são lastimáveis. Em 2002 havia ocorrido um grande atentado contra suas vidas. Mas havia a desculpa (esfarrapada) de que os autores do atentado não sabiam que estavam mirando nelas. Nesse triste 29 de outubro não. A ignorância não vale mais como escusa. Os que perpetraram o crime contra a Moralidade, a Lógica e o Bom-Senso sabiam muito bem o que estavam fazendo. O objetivo era mesmo sepultar todos eles. Entre o certo e o duvidoso, sendo o certo a podridão completa, ficaram com esta, afastando qualquer possibilidade de mudança. A grande inimiga da Moralidade, a Perfídia, soube executar seu plano com maestria. Conquistou quase 60 milhões de indivíduos, cegou seus olhos e domou suas mentes, e conseguiu o grande objetivo: eliminar de uma vez a Moralidade do Brasil. É dia de luto!

quarta-feira, novembro 01, 2006

Terceiro Turno



Rodrigo Constantino

“Democracia deve ser mais que dois lobos e uma ovelha votando sobre o que terão para jantar.” (James Bovard)

O presidente Lula está reeleito com expressiva votação, acima de 50 milhões de votos. Um fato inegável. Defensores do petista logo correm para afirmar a “legitimidade” garantida pelas urnas, já que seu governo foi marcado por um recorde nacional – quiçá mundial – de escândalos de corrupção. Ignoram, entretanto, que num Estado de Direito, com império das leis, não são as urnas que fazem automaticamente as leis. Não realizamos plebiscitos para votar se criminosos vão ou não para a cadeia. Aplicamos as leis.

O povo brasileiro parece não compreender ainda o valor das instituições republicanas, que não permitem colocar cidadão algum acima das leis. Fala-se aqui em democracia como um fim em si, esquecendo do alerta na epígrafe. Países que não conseguiram construir sólidas instituições, deixando que a democracia se transformasse numa simples ditadura da maioria, jamais prosperaram. Sem que as liberdades individuais sejam garantidas através do império das leis isonômicas, a democracia pode virar um leilão vulgar onde dois lobos decidem que o jantar será a ovelha indefesa. Quem defende a justiça precisa defender as minorias, e a menor minoria de todas é o indivíduo. Somente um governo de leis, válidas igualmente para todos, preserva tais minorias. Ditaduras da maioria disfarçadas de democracia não trazem semelhança alguma com tal modelo. Quem acha que a escolha da metade dos eleitores e mais um cidadão dá uma carta branca ao governante eleito, não compreendeu nada sobre justiça e liberdade.

Em seu livro Política, Aristóteles pergunta: “Se, por serem superiores em número, aprouver aos pobres dividir os bens dos ricos, não será isso uma injustiça?”. Claro que será! Mas demagogos nunca deixaram de explorar o sentimento de inveja nos mais pobres para obter poder. Governantes aproveitadores e astutos conseguem dinheiro dos mais ricos com o pretexto de protegê-los dos mais pobres, assim como votos dos mais pobres com a escusa de que irão defendê-los dos mais ricos. Os iludidos não notam que ambos, ricos e pobres, precisam de proteção justamente contra tais governantes. E esta proteção vem através das sólidas instituições, da garantia das liberdades individuais, do império das leis. Quando a democracia – leia-se os votos válidos de mais da metade dos eleitores – passa por cima dessas normas impessoais, temos a troca do necessário império das leis pelo perigoso império dos homens. O governo vira então refém das vontades de maiorias instáveis. Se amanhã mais da metade do povo desejar o extermínio de uma determinada minoria, nada estará no caminho para impedir tamanha injustiça. A Alemanha nazista que o diga!

Tendo explicado esse ponto importante, de que democracia não deve ser a simples ditadura da maioria, podemos agora analisar um dado estatístico interessante. Na verdade, sequer podemos falar em maioria do povo quando falamos da reeleição de Lula. Foram quase 24 milhões de abstenções, um pouco mais de um milhão de votos brancos, quase 5 milhões de votos nulos e mais de 37 milhões de votos para seu adversário, Alckmin. Somando tudo isso, temos quase 70 milhões de eleitores que não votaram em Lula, contra menos de 60 milhões que nele votaram. Em outras palavras, sequer podemos falar mesmo em ditadura da maioria!

Os petistas acusam de “golpistas” aqueles que gostariam de um “terceiro turno”, ou seja, aplicar as leis através do TSE podendo cancelar as eleições caso ficasse comprovado o uso de dinheiro ilegal na campanha de Lula. As evidências de que isso ocorreu abundam, quando lembramos do dossiê que os petistas bastante ligados ao presidente tentaram comprar. Foram pegos com a “boca na botija”, em flagrante, usando dinheiro ilegal, quase 2 milhões de reais. O que podemos concluir disso é que golpe, para os petistas, é aplicar as leis em seus companheiros. Acham que eles, e especialmente Lula, estão acima das leis. E usam as urnas como “prova” dessa suposta legitimidade. Não se constrói um país sério, justo e próspero desta maneira. Será que estamos fadados a ser uma republiqueta das bananas?