quinta-feira, novembro 18, 2010

Liberalismo e Democracia



Rodrigo Constantino

A democracia é um sistema imperfeito. Nunca é demais repetir este alerta. Mas acredito que alguns libertários com viés mais anarquista levaram a lógica para um extremo perigoso. Hoppe é o grande ícone deste grupo, quando lembra que a democracia é um “deus que falhou”. A questão, porém, é outra: se a democracia for vista como uma espécie de deus, naturalmente ela estará fadada ao fracasso. Aliás, qualquer modelo irá falhar, sempre! Eis o ponto importante aqui: todos os modelos políticos para convívio em sociedade terão inúmeros problemas. Perfeição é algo que não existe quando se trata de seres humanos.

Não é correto, portanto, atacar um sistema imperfeito com base em utopias. Podemos – e devemos – apontar os riscos e os defeitos da democracia. Mas não acho honesto fazê-lo de cima de uma torre de marfim, oferecendo em troca um paraíso platônico construído nas nuvens da imaginação. O papel aceita qualquer coisa. A abstração é capaz de produzir os mais belos mundos. O diabo está nos detalhes. Quando o sonho precisa dar lugar à prática, aí é que mora o perigo. E a experiência mostra que revoluções idealistas costumam acabar muito mal. Anarquia não virou sinônimo de caos à toa, ou por conta de alguma conspiração mirabolante de intervencionistas.

Os liberais são realistas a ponto de perceber isso. Eis a grande diferença entre eles e seus colegas libertários anarquistas. Como disse Og Leme, todo liberal é um anarquista frustrado. Ele costuma achar linda a utopia de uma sociedade sem Estado, mas depois acorda para a vida e encara sua existência como uma espécie de “mal necessário”, como disse Thomas Paine. A expressão pode parecer contraditória à primeira vista, mas faz sentido, pois lembra que certos males demandam remédios muito amargos ou dolorosos. Liberais jamais adoram o Estado e, portanto, nunca poderiam colocar a democracia num altar divino. Logo, o deus não falhou; ele jamais existiu! O problema são as malditas alternativas concretas, invariavelmente piores.

Hoppe chega a demonstrar certo saudosismo, preferindo a monarquia em vez da democracia, se tiver que escolher entre ambas. Ele, ao contrário de Mises, não vê a mudança como progresso. Mas acredito que Hoppe está bastante enganado, e nesse caso se trata de um fenômeno empírico: basta observar se há mais ou menos liberdade individual nos países democráticos hoje. Novamente, que a democracia gerou vários problemas novos, isso é fato. Mas daí a afirmar que no passado havia mais liberdade para a maioria dos indivíduos, isso já é bem diferente – e, creio, absurdo. As democracias mais avançadas, com sólidas instituições e uma cultura de liberdade, quase sempre são capazes de, gradualmente, corrigir as maiores falhas e sobreviver, com razoável grau de estabilidade e liberdade. Olhando a história da humanidade, não é pouca coisa!

O liberalismo é, em sua essência, democrático. Mário Vargas Llosa considera os pressupostos básicos do liberalismo “a democracia política, a economia de mercado e a defesa do indivíduo frente ao Estado”. A propriedade privada e o Estado de Direito são bandeiras claramente liberais. Mas o liberalismo é mais que isso. Basicamente, ele é “tolerância e respeito aos outros, e, principalmente, a quem pensa diferente de nós, quem mantém outros costumes e adora outro deus ou simplesmente nenhum”. Vargas Llosa descarta utopias: “Logicamente, salvo nas belas utopias dos anarquistas, não há como prescindir da existência de um poder. Mas é possível, sim, contê-lo e opor-lhe contrapesos para que não se exceda, que não usurpe funções que não lhe competem e não sufoque o indivíduo”.

O liberal está preparado para viver entre discordâncias e diferenças, num ambiente de pluralidade em que ninguém se arroga o monopólio da justiça. Por isso existem tantos tipos de liberais discordando entre si. Não se trata de um grupo monolítico, que abraçou alguns dogmas simplistas e ponto final. Trata-se da defesa de uma sociedade aberta, como colocou Karl Popper, ao contrário de algum sistema fechado e acabado. Para Popper, “a importante e difícil questão das limitações da liberdade não se pode resolver mediante uma fórmula seca e cortante”. Mas isso não é motivo para desânimo: “E o fato de sempre haver casos fronteiriços, longe de assustar-nos, deve converter-se em mais uma coluna de nossa posição, visto como, sem o estímulo dos problemas políticos e das lutas desse tipo, a presteza dos cidadãos em lutarem por sua liberdade logo desapareceria e, com ela, a própria liberdade”.

Propriedade privada, Estado Democrático de Direito, economia de mercado, tolerância, liberdade de expressão e individualismo, estas são as expressões que, no meu entendimento, melhor resumem a postura liberal. Com isso em mente, há muito que ser feito para melhorar o mundo ainda, garantindo mais liberdade aos indivíduos. A democracia, enquanto meio, é uma aliada dos liberais nesta empreitada.

12 comentários:

Control disse...

O Brasil é um pais corrupto. Nenhum tipo de governo funciona, por aqui.

Anônimo disse...

Somos uma democracia prodigiosa. Um país que rapidamente colocou no poder a essência de sua personalidade social. Nunca antes na nossa história tivemos tanta democracia.

Edson N disse...

Uma estranho nação onde a escola não ensina política mas o voto é obrigatório. Muito estranho. Não por acaso é o pais que tem o governo mais corrupto do mundo - eleito pelo povo.

joopavatroff disse...

Esse viveu o socialismo de Adolf Hitler. Sabia do que estava falando:

"O meu ideal político é a democracia, para que todo o homem seja respeitado como indivíduo e nenhum venerado" (Albert Einstein)

robesa disse...

O livro "Olga", por exemplo, sobre a vida de Olga Benaro, mulher de Prestes. Ele não faz uma análise do sistema ou do regime adotado pelo Brasil no governo de Vargas. Ele dá motivos para concluir que existia uma "polícia política" que desrespeitava acintosamente os direitos humanos, mas, por mais paradoxal que possa ser, a democracia não está livre disso. A democracia só assegura que o eleito será aquele que tem maioria dos votos. Só isso. Ela não garante que o escolhido seja a melhor opção e muito menos que seja o mais moral ou ético.

Anônimo disse...

"Liberais jamais adoram o Estado e, portanto, nunca poderiam colocar a democracia num altar divino. Logo, o deus não falhou; ele jamais existiu!"

Na mosca!

CorruPTocracia: Roubar é poder! disse...

O Brasil é uma corruptocracia. Não adianta disfarçar de capitalismo, de socialismo ou seja lá de que ismo for. O Brasil é uma corruptocracia. A quadrilha que está no poder é capaz de destruir qualquer modelo político. O Brasil é uma corruptocracia, um banditismo organizado, o governo mais perverso e corrupto do mundo.

Anônimo disse...

Descobri seu blog recentemente (através do IMB), na verdade descobri o liberalismo recentemente, e já me tornei um. E pensar que já fui comunista na adolescência...

Julio Goulart disse...

A revolta do Corruptocracia revela algo mais que a indignação. Pode ver, ele tem interesses pessoais contrariados. Aposto!

robesa disse...

O capitalismo brasileiro evidentemente é diferente do norte americano ou do inglês onde existe uma rede de amparo social que não existe nos países do terceiro mundo.
O capitalismo além de permitir um número muito maior de pontos de vista e dissidência, também está profundamente vinculado ao sistema democrático, e poderíamos dizer que o fim da proprieda privada, é o fim também da democracia, pelo menos na prática, porque é esta que impede que o governo concentre excessivamente poderes, ou pelo menos acaba sendo uma barreira ao poder ilimitado , obrigando gradualmente a aberturas, como é o caso da China.
Mas o que principalmente caracteriza o capitalismo ao meu ver , é exatamente o que há de melhor e de mais perigoso nele, que é a liberdade de competir, porque nada é mais injusto do que uma pessoa capaz e esforçada ganhar a mesma coisa que outra preguiçosa e desinteressada.O outro lado da medalha é que a competição frequentemente não é honesta, vencendo o mais safado, e também porque um regime onde vença o mais capaz ,acaba criando diferenças enormes (the winner takes it all), que são passadas para herdeiros que nada fizeram para merecer o status dos antepassados.

Anônimo disse...

no mundo desenvolvido, o estado tem uma função regulamentadora, mas também incentivadora à iniciativa privada, enquanto que em economias subdesenvolvidas como a nossa, o governo em geral é o maior empecilho para o enriquecimento da sociedade, pois além de criar uma rede de retroalimentação com os setores particulares que lhe são úteis, também tenta evitar que tudo isto venha a público

Rafael Gargalhão disse...

O problema da democracia (e não estou dizendo que exista algo melhor que ela) são os precedentes abertos para a atuação do Estado.

Se o Estado deve agir na segurança pública, justiça e defesa nacional, muitos então se perguntam por que não agir também na saúde, educação, economia, etc.

Nessa linha de raciocínio, chegamos ao Estado keynesiano.

Em suma, é difícil estabelecer uma fronteira nítida entre o que é ou não admissível para o Estado assumir. É por isso que parece haver uma tendência universal para o agigantamento do estatismo.

Uma vez aberto o precedente...