sábado, junho 25, 2011

O sonho do celta


Rodrigo Constantino

“Não é mau que ronde sempre um clima de incerteza em torno de Roger Casement, como prova de que é impossível chegar a conhecer de forma definitiva um ser humano, totalidade que sempre escapa a todas as redes teóricas e racionais que tentam capturá-la”. Eis o que pensa o escritor Mario Vargas Llosa sobre o personagem de seu último romance, “O sonho do celta”, figura controversa que lutou contra os abusos do colonialismo belga no Congo, depois contra a exploração desmesurada dos índios peruanos por uma empresa inglesa na selva de Iquitos, e por fim pela independência da Irlanda contra a Inglaterra, país que Casement serviu como diplomata e lhe concedeu o título de sir.

Vargas Llosa usa os fragmentos históricos para recriar o rico personagem, repleto de dúvidas e angústias, com um senso constante de justiça, mas invariavelmente abalado pela possibilidade de estar errado em sua estratégia de luta, especialmente ao acreditar que o inimigo de seu inimigo é seu amigo, e com isso defender a aproximação dos separatistas irlandeses com os alemães na iminência da Primeira Guerra Mundial. A imagem de mártir, que pode acender as chamas da liberdade em seus compatriotas, compensa o suicídio quase certo na batalha desigual? Os cristãos valorizavam o martírio, pois sua Igreja nasceu justamente dele. O livro está impregnado desta visão de herói que sabe caminhar rumo à provável destruição, mas que planta as sementes da liberdade no longo prazo.

O novo romance do mais recente Prêmio Nobel da Literatura não desaponta os leitores. Para quem busca histórias simplistas e maniqueístas, de heróis e vilões muito bem definidos, “O sonho do celta” não é leitura recomendada. Mas para quem busca mergulhar na região mais cinzenta e realista, onde heróis nem sempre são claramente distinguíveis de vilões, onde há argumentos razoáveis de ambos os lados, então o livro é garantia de satisfação. A colonização belga na África cometeu inúmeras atrocidades, as quais Casement se ergueu contra, mas isso não implica uma visão maniqueísta de que não ocorreram avanços com a chegada dos europeus, tampouco que antes havia algo que poderia ser chamado de civilização por nossos conceitos atuais. O mesmo vale para a selva peruana e a empresa inglesa que explorava a borracha das seringueiras. Os crimes perpetrados na lei da selva são relatados com horror pelo personagem principal, o que não quer dizer que uma imagem rousseauniana daqueles selvagens mereça algum crédito.

No mundo real, nem sempre é fácil separar o joio do trigo, à exceção dos casos limítrofes. Ainda mais quando se trata de questões delicadas, como a independência de um país, as lutas nacionalistas, as aventuras de exploradores em terras distantes onde não há nem resquício do império da lei. O ser humano é capaz dos atos mais bárbaros nestas condições mais anárquicas e selvagens. E eis justamente o que mostra Vargas Llosa com este novo romance histórico, cuja leitura recomendo.

3 comentários:

Afonso Vieira disse...

Ainda estou lendo, realmente Vargas Llosa não decepciona na qualidade literária. Um personagem bastante rico.

jararaca falante disse...

Um macete de piloto de avião é ter sempre pendurado no teto da cabine um chaveiro ou uma correntinha. No caso de ficar sem horizonte articial ou sem "climb", o penduricalho ajuda a saber se você está, pelo menos, de cabeça para cima. No Enola Gay, o bombardeiro que voou sobre o Pacífico em direção ao Japão e soltou uma bomba atômica sobre a população civil de Hiroshima, este penduricalho era constituido de um crucifixo.

Na proa do Mayflower vinham os avós de muitos fanáticos que vibraram com as conquistas guerreiras da América. Mas também vinham os avós de Edgard Alan Poe, de Percival Lowel e dos fundadores do Instituto Tecnológico de Massachusetts que ajudou a colocar o homem numa condição de poder ver este planeta de cima, como um todo, finito, exíguo, delicado, e despertou nossa cansciência para um elemento chamado ecologia.

O bem e o mal não estão separados por fronteiras geográficas e muito menos políticas. Eles estão difusos, flutuando na sociedade, desde as favelas da Namíbia até os bosques residenciais da Baviera.

Anônimo disse...

"A Razão deveria ser destruída em todos os cristãos. Ela é o maior inimigo da Fé. Quem quiser ser um cristão deve arrancar os olhos de sua Razão."

Essa é do Martinho Lutero. Lutero foi um desertor da Igreja de Roma que se apoderou de um púlpito em Witemberg, graças a um acordo que fez com os príncipes. Lutero ofereceu uma versão mais "secularizada" da religião, uma versão na qual os príncipes ganhavam certos sacros poderes.

Lutero foi um dos maiores patifes que a espécie humana já produziu.