quinta-feira, março 15, 2012

Os riscos de uma infecção inflacionária

Por Ricardo Valente, Valor Econômico

O Banco Central do Brasil levou a taxa Selic ao patamar de um dígito, como desejava o governo, com uma aceleração do ritmo de cortes surpreendente. Apesar da incrível ousadia, se ainda há uma notável diferença entre o Brasil e o resto do mundo, ela está na taxa de juros.

Uma vez que os países desenvolvidos lutam para resolver os problemas gerados pelo estouro da bolha imobiliária, com impactos fiscais e sobre o ritmo de atividade econômica, predomina atualmente um quadro de política monetária muito frouxa, com taxas de juros reais negativas e afrouxamento quantitativo.

Assim, o diferencial de juros do Brasil para o mundo ficou ainda mais evidente, pois hoje não há, no País, debilidade fiscal que leve a dúvidas sobre a solvência no curto prazo.

Eis o paradoxo. A taxa de juros que equilibra o fluxo de capitais para o País é muito inferior àquela que equilibra a inflação. De outra maneira, os investidores internacionais estão dispostos a financiar o Brasil (Estado e setor privado) a taxas de juros bem mais baixas que a taxa de juros doméstica de equilíbrio. O problema é que, sempre que baixamos a taxa de juros a níveis inferiores ao de equilíbrio, a economia doméstica cresce em ritmo acelerado e incompatível com a capacidade de curto prazo, elevando as pressões inflacionárias.

Do lado macroeconômico, isso significa que o Brasil poderia usar a poupança externa para complementar a poupança doméstica, elevar o investimento e o potencial de crescimento da economia, para derrubar a taxa de juros permanentemente. Então por que isso não acontece? A absorção de poupança externa é a contraparte da apreciação real do câmbio, o que aprofunda os problemas de competitividade da indústria no País.

Para o câmbio se valorizar ainda mais e garantir a sobrevivência da indústria, seriam necessárias amplas reformas macro e microeconômicas que priorizassem a questão da produtividade da economia. Um exemplo: a nossa carga tributária em percentual do PIB é cerca de 10% superior à média dos emergentes, e escandalosos 20% superior à média dos emergentes asiáticos. O investimento público é próximo a 10% do gasto público primário inferior à média dos emergentes, e, novamente, cerca de 20% do gasto público inferior ao dos emergentes asiáticos. Fora as questões "micro" relevantes, como obter licenças, abrir ou fechar empresas, resolver insolvência, sistema tributário complexo, dificuldade de negociar através de fronteiras, e outras.

O câmbio é a variável que simplesmente esconde as ineficiências do modelo econômico. Mesmo que se tente administrar a taxa nominal, impedindo a apreciação, o câmbio real permanecerá valorizando-se, pois a inflação brasileira ficará acima da verificada nos principais parceiros comerciais.

Assim, quanto menor a taxa de juros, maior será a apreciação real pelo lado inflacionário, o que cria um ambiente fértil para a reindexação da economia, que tanto custou no passado.

O câmbio estável combinado com um mercado de trabalho muito aquecido leva a uma inflação diferente da observada no passado. O que se observa hoje no Brasil é resultado do aumento de salários e não da indexação massiva da economia ou do aumento do preço dos produtos importados. Com o crescente poder de compra do empregado, os incentivos políticos para o combate inflacionário são menores. Enquanto esse processo não levar à efetiva perda de popularidade do governo, a inflação via aumento de salários continuará "desejável". Isso eleva gradualmente as expectativas de inflação de longo prazo, com perda de credibilidade do regime de metas para inflação, o que tornará a inflação permanentemente mais alta, sem ganhos de crescimento.

Em suma, não é possível esperar que a taxa de juros caia subitamente para o nível internacional sem o empenho em fazer reformas no país. Sem elas, dificilmente teremos ganhos de produtividade que possibilitem um potencial de crescimento mais favorável com menor inflação. No dia do "juízo final", teremos de subir ainda mais os juros e jogar a atividade econômica no chão para tratar da infecção inflacionária. O remédio será amargo. Nesse dia, teremos um câmbio depreciado. Com juros muito mais altos, a indústria não terá para quem vender.

Ricardo Valente é gestor dos fundos de renda fixa da Credit Suisse Hedging-Griffo

2 comentários:

André disse...

Rodrigo,você devia fazer mais vídeos,no youtube as de repente alguém sem qualquer ligação com a causa liberal pode encontrar seu vídeo por acaso.Enfim... acho uma boa ideia.Se não houver nenhum assunto em especial sei lá... indique e fale sobre um livro,já que lê bastante.

samuel disse...

Prof Constantino. Não acho Valente a análise do prof. A Selic afeta somente os investidores estrangeiros e por conseguinte a taxa de cambio. Internamente, os juros que os bancos cobram de seus clientes continuam o mesmo, os mais altos, imoralmente altos. Na fórmula que os bancos usam para calcular sua taxa operacional interna, a Selic tem pequena participação. Veja estudo do perito joão paes de barros em seu site www.paesdebarrosassociados.com.br