segunda-feira, fevereiro 04, 2013

A vida sob quatro milhões de normas

João Luiz Mauad, O GLOBO


As causas técnicas da tragédia de Santa Maria ainda são imprecisas e certamente serão objeto de vasta perícia.  Uma conclusão, no entanto, parece inescapável.  Negligência, imprudência e desrespeito à lei caminharam de mãos dadas naquela noite.
Como era de se esperar, tão logo surgiram as primeiras notícias começou o clamor por mais regulação e mais burocracia, como se o problema fosse falta de leis.  Ao contrário, aqui elas abundam e talvez por isso sejam tão ineficazes.   Segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), desde 05 de outubro de 1988 (data da promulgação da atual Constituição Federal), até 05 de outubro de 2012 (seu 24º aniversário), foram editadas 4.615.306 normas que regem a vida dos cidadãos brasileiros. Isto representa, em média, 788 por dia útil.
Trata-se de um evidente exagero, alimentado por uma lógica perversa segundo a qual a eficiência de políticos e burocratas seria diretamente proporcional à quantidade de leis editadas, ainda que amplamente desrespeitadas.
Já notaram que o primeiro item do currículo de qualquer candidato à reeleição é justamente o número de projetos de lei propostos?
Diante dessa voracidade legiferante, resulta impossível a qualquer um conhecer o inteiro teor de uma determinada legislação.  A existência de direitos e deveres pouco nítidos transforma os brasileiros em personagens kafkianos, reféns de processos burocráticos absurdos e totalmente vulneráveis à ação de agentes públicos mal intencionados, especialistas em criar dificuldades para vender facilidades.
Não foram poucas as vezes, ao longo da história, em que leis elaboradas com as melhores das intenções acabaram gerando incentivos perversos e consequências imprevistas, não raro na direção oposta à planejada.
Se a velha indústria de alvarás ainda corre solta e muita gente insiste em operar sem as devidas licenças, ao arrepio da legislação, mesmo com todos os riscos que isso representa, é porque o funcionamento regular é praticamente inalcançável.  Como ensinam os economistas, os incentivos fazem toda a diferença.
O antigo filósofo chinês Lao Tsu já dizia que quanto mais restrições artificiais impuserem ao povo, mais ele será empobrecido; e quanto mais regulamentos houver, mais se estimularão as fraudes, os roubos e outros ilícitos.  As normas devem ser poucas, simples e objetivas, a fim de facilitar não só a sua aplicação como também a fiscalização.  Não por acaso, os advogados competentes sempre acabam encontrando, na própria legislação, brechas que livram a cara de eventuais infratores.  O fato é que de nada adiantam as leis se não puderem ser aplicadas com rigor.
Alguns dirão que, à medida que a sociedade cresce, as normas devem se multiplicar, a fim de que a ordem seja mantida.  Ledo engano.
Quanto mais complexas forem as sociedades, mais as leis devem ser parcas e simplificadas, de fácil aplicação e rápida execução.  Ademais, quanto mais ampla, prolixa e detalhada a legislação, maiores serão as chances de serem burladas com sucesso.

3 comentários:

IvanFR disse...

"As normas devem ser poucas, simples e objetivas, a fim de facilitar não só a sua aplicação como também a fiscalização."

Concordo, mas para algumas coisas "básicas" as normas de segurança estatais nem seriam necessárias:

1 - Seguranças (e não "jagunços") devem ser treinados para lidar com locais lotados.
2 - Deve haver mais de uma saída para permitir o escoamento do pessoal em caso de emergência.
3 - Essa últiima, a situação mais pitoresca: extintores de incêncido devem estar dentro do prazo de validade e funcionando adequadamente.

Em uma sociedade ética e "bem educada", essas coisas não precisariam ser impostas pelo Estado, de cima pra baixo, através de normas e decretos. Bastaria o bom senso na convivência social e o respeito ao próximo.

Vale ainda lembrar que, no Direito Penal, alguém pode ser responsabilizado por um crime culposo, mesmo que não tenha infringido nenhuma norma escrita. Basta a violação do que os juristas chamam de "dever objetivo de cuidado", ou seja, um dever a todos imposto pelo simples fato de se viver em sociedade.
Assim, por exemplo, derrubar alguém em uma escada e causar a morte dessa pessoa, pode acarretar a punição de quem derrubou por homicídio culposo, ainda que não exista nenhuma norma escrita dizendo claramente que nas escadas e outros locais íngremes deve-se andar com cuidado de modo a não lesionar os demais. Se a pessoa que derrubou agiu de forma imprudente na escada, ela pode ser responsabilizada criminalmente...

Victor disse...

Os reguladores deveriam ter seu poder limitado, para não criarem normas subjetivas e só terem poder para criar normas para garantir os direitos básicos, cumprimento de contratos e coisas do tipo.

No estado atual, o investimento em lobby é muito mais "compensador" que o investimento em competitividade e poucas pessoas conseguem seguir as nossas leis. Até mesmo a prefeitura e a delegacia de Santa maria, estão "irregulares" : http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/1224674-prefeitura-e-delegacia-de-santa-maria-estao-com-alvaras-dos-bombeiros-vencidos.shtml

Nem o estado segue as leis que ele impõe para os cidadãos.

Anônimo disse...

O idiota foi brincar com fogo num ambiente fechado, cheio de espuma no teto
Não precisa lei nenhuma, basta bom senso.